por Caio Garrido
Onde estão as vozes, músicos e artistas que estariam
traçando os caminhos daquilo que seria a música contemporânea brasileira?
Foi tentando responder a essa pergunta que
buscamos conhecer um pouco da trajetória do compositor e multi-instrumentista Antonio Loureiro.
Passeando entre a canção e a música
instrumental, Loureiro é um dos exemplos mais vivazes e bem vindos da música
brasileira atual. Inspirado por sua herança musical, vinda dos contornos
regionais dos montes de Minas e outras cercanias, Loureiro inspira seus
ouvintes com seu talento e habilidade a serviço da música, potencializando a
música instrumental e não a deixando estéril.
Com dois discos solo já lançados, Loureiro traz
em sua caixa de sonoridades toda a mistura que o caracteriza: os acentos
regionais, a influência do jazz contemporâneo, da cultura popular brasileira,
entre outros. Neles, apresenta um esmero no cuidado com a produção e com os
detalhes, em cada nota e timbre, potencializando as harmonias em suas
contiguidades. Seu último álbum solo tem o sugestivo nome “Só”, que traz
diversas participações especiais, como a de Siba, Tatiana Parra, Frederico
Heliodoro e outros grandes parceiros, que sempre o deixam bem acompanhado.
- Antonio, nos fale um pouco sobre sua história
na música. Minas Gerais influenciou sua música? E o Clube da Esquina?
Cresci e vivi até os 24 anos em Belo Horizonte. Meu pai é clarinetista
professor da UFMG e minha mãe musicoterapeuta também professora na mesma
escola. Tocava piano muito bem quando pequeno mas desisti porque ganhei uma
bateria. E foi através desse instrumento que comecei meu caminho na música.
Adorava o Michael Jackson. Ouvi muito rock de todo tipo. Gostava do Sepultura,
Soundgarden, Nirvana e várias outras do rock e do metal feito na época. Adorava
o Yes, o Genesis, o Pink Floyd, Hendrix, por causa do meu pai e dos amigos mais
velhos... Ali eu percebi que existia uma conexão com vários outros aspectos
musicais que não somente o rock. Que esses gênios da música tinham influência
de muita coisa. Depois de um certo tempo a música eletrônica me marcou também.
Ia muito às festas e gostava de fazer essa música no computador. Convivi com
muitas possibilidades musicais sem preconceito e curtindo muito a infância,
adolescência e juventude. Sempre tive muitos amigos bem mais velhos do que eu.
Uma pessoa que me apresentou muita música foi o Pedro Trigo, grande baixista,
amigo mais antigo que tenho. Tocamos juntos em banda de rock e até hoje
dividimos palcos em vários sons diferentes. Sempre tive alguma noção de como era viver de música e
da real necessidade de se estudar música. E adorava estudar muito meu
instrumento. Tocar bem! E nesse período,
entre 12 e 17 anos de idade, participei de vários festivais de música, fazendo
aulas de instrumento e vivendo experiências de banda sinfônica, big band, grupos de percussão e coisas
do tipo (Em Tatuí, Campos do Jordão, Diamantina, Ouro Preto, Curitiba; todas
essas cidades que sediavam os festivais). Em
meio a isso tudo eu tocava, tanto nas bandas cover de rock, quanto na noite com
músicos da cena instrumental. Comecei a tocar alguma coisa de jazz e bossa nova
instrumental com 11 anos de idade com o Paulão Lacerda, falecido amigo
trombonista professor da UFMG e por isso muito amigo da família e do meu pai.
Eu ia ver meu professor tocar muito!! E ele, depois de ver que eu adquiri ali
uma certa experiência na bateria, me botava pra dar uma “canja”. A partir de um
momento, toda vez que eu ia ver ele eu dava essa canja que na verdade era uma
super mega escola pra mim. Esse mestre foi o Limão.
Foi ele quem me inseriu na cena da música instrumental de BH. Eu o substituía muito em um certo período. Quando eu tinha de 14 a 16 anos de idade acho... Isso me fez tocar com a maioria dos músicos da música instrumental de Belo Horizonte. Só quando entrei na universidade que comecei a conviver e tocar com um pessoal mais perto da minha idade e que fazia "outros sons": Rafael Martini, Kristoff Silva, Felipe José e Frederico Heliodoro; que marcaram essa época. Quando me perguntam sobre o Clube da Esquina eu sempre digo que comecei a ouvir mesmo e conhecer mais, não só o Clube, mas tudo que conheço de música brasileira, mais tarde, a partir dos 16. Ao mesmo tempo eu estava sempre tocando esses sons na noite. Em BH é comum ver um grupo instrumental tocando versões do Milton, do Toninho Horta. Mas não conhecia desde pequeno. Fui entender a importância de Elis, Milton, Gil, Caetano e essas figuras todas da MPB mais tarde. Entendi mais ainda quando acompanhei o Toninho Horta e percebi a importância dele na história da música brasileira. O jeito dele fazer música me inspira muito. É livre, é canção, mas não é... Não importa...
Foi ele quem me inseriu na cena da música instrumental de BH. Eu o substituía muito em um certo período. Quando eu tinha de 14 a 16 anos de idade acho... Isso me fez tocar com a maioria dos músicos da música instrumental de Belo Horizonte. Só quando entrei na universidade que comecei a conviver e tocar com um pessoal mais perto da minha idade e que fazia "outros sons": Rafael Martini, Kristoff Silva, Felipe José e Frederico Heliodoro; que marcaram essa época. Quando me perguntam sobre o Clube da Esquina eu sempre digo que comecei a ouvir mesmo e conhecer mais, não só o Clube, mas tudo que conheço de música brasileira, mais tarde, a partir dos 16. Ao mesmo tempo eu estava sempre tocando esses sons na noite. Em BH é comum ver um grupo instrumental tocando versões do Milton, do Toninho Horta. Mas não conhecia desde pequeno. Fui entender a importância de Elis, Milton, Gil, Caetano e essas figuras todas da MPB mais tarde. Entendi mais ainda quando acompanhei o Toninho Horta e percebi a importância dele na história da música brasileira. O jeito dele fazer música me inspira muito. É livre, é canção, mas não é... Não importa...
- Como você vê hoje a música brasileira? Porque é
tão difícil, compositores e artistas como você alcançarem uma melhor
notoriedade, tão diferente da época dos festivais nos anos 60, em que num mesmo
período de tempo surgiam artistas de real qualidade da MPB para o
grande público? Como você acha que se posiciona neste cenário hoje?
Basta você comparar os festivais de televisão dessa época e os de hoje.
Ao mesmo tempo eu não vou por esse caminho da comparação de épocas pra se
pensar estética, produção musical e formas de consumo de arte e cultura. São
muitos os fatores que fizeram e fazem a diversidade e qualidade caírem nos
grandes meios de comunicação. Além de fazermos parte da era da imagem... Tudo é
imagem! Não sou a melhor pessoa pra
esclarecer sobre as mutações do mercado fonográfico, mas eu entendo que se
transformou muito e acho que tem cada vez mais dinheiro envolvido. E acho muito
difícil equilibrar a sensibilidade e força para a arte, com a técnica e talento
para se fazer dinheiro. Ou seja, a meu ver, quanto mais dinheiro envolvido,
menos arte, pois o objetivo final é o lucro e não o enriquecimento cultural de
um público, de um povo. Hoje tem muita
coisa boa sendo feita no Brasil. Não se pode dizer o contrário. Não sou e nunca
serei o velho reclamão que coloca a música independente e a produção atual no
fracasso, no lixo. O Brasil é enorme e não dá conta do tanto de coisa sendo feita.
Fato. Temos então que continuar fazendo algo que acreditamos: mexer com a
sensibilidade das pessoas, independente da notoriedade ou público que isso
traga para o artista. Faço com amor para o público, mas conquistá-lo não é meu
objetivo. Meu objetivo é passar uma mensagem, um sentimento, uma ideia, um
momento, mexer com o corpo, a dança, um conhecimento, uma reflexão, uma
sensação (boa ou ruim); Trabalhar o sensorial e imprimir algo na
memória. E é a partir daí que vai se formar o público que vai ouvir o que
faço. Não me importando se são milhões ou dezenas de pessoas. No mercado não
funciona assim; Se você ouve o que o mercado te vende, na rádio, TV, tudo
aquilo é 50 vezes mais "fácil, extremamente fácil", justamente pra
entrar no seu cérebro e não sair nunca mais! Eu não estou a fim de invadir o
cérebro de ninguém... Deus me livre! Música boa, bem feita, genial, com grandes
artistas, surge hoje assim como surgiam antigamente. Só não estão na TV, rádio,
ou jornal, a toda hora. Quem está na grande mídia, paga para estar ali e
precisa dela para movimentar um negócio. Mas existe a internet e na internet
tem espaço pra todos... Ainda... A gente
tem que trabalhar com o que tem e se encaixar e abrir os espaços possíveis, com
a força e as possibilidades que temos.
“No mercado não funciona assim; Se você ouve o que o mercado te vende, na rádio, TV, tudo aquilo é 50 vezes mais "fácil, extremamente fácil", justamente pra entrar no seu cérebro e não sair nunca mais! Eu não estou a fim de invadir o cérebro de ninguém... Deus me livre!”
- Você começou na bateria e na percussão, certo? Você transcendeu a bateria tocando outros instrumentos? O tocar outros instrumentos te deu a possibilidade de olhar e tocar a bateria e percussão de outro modo? Como você se enxerga como músico?
Sim. A bateria tem suas características técnicas e suas linguagens. Levo
isso para os outros instrumentos que toco. Tenho mais experiência, técnica e
intimidade com a bateria. Mas tocar outros instrumentos e aprender vários
outros, me ajuda na produção musical, nos arranjos, na composição e na
comunicação com os músicos que trabalho.
- Grande parte de seu CD “Só” foi gravado por
você tocando todos os instrumentos. Como é encarar o processo de produção e
gravação desta forma?
É uma outra forma apenas. É mais fácil por um lado, porque eu
simplesmente gravo uma ideia que já foi formada no arranjo e tiro um som que já
está preconcebido. Organizo tudo em blocos e mais blocos de anotação e esboços
de arranjo. Por outro lado é difícil, pois não tem um produtor escutando e
dizendo se está bom ou ruim aquele take
gravado. Então leva mais tempo para amadurecer a ideia e ouvir distanciado do
ambiente de intérprete. Trabalhar dessa forma exige que você separe bem o
trabalho que você faz como intérprete do trabalho de produtor do disco. O
inseparável é justamente o que dá o resultado desse trabalho.
“... quanto mais dinheiro envolvido, menos arte, pois o objetivo final é o lucro e não o enriquecimento cultural de um público, um povo. Hoje tem muita coisa boa sendo feita no Brasil. Não se pode dizer o contrário. O Brasil é enorme e não dá conta do tanto de coisa sendo feita. Temos então que continuar fazendo algo que acreditamos: mexer com a sensibilidade das pessoas, independente da notoriedade ou público que isso traga para o artista. Faço com amor para o público, mas conquistá-lo não é meu objetivo.”
- Você canta, toca, compõe, e passeia entre a
música instrumental e a canção. Quais as dificuldades que encontrou nesse
processo?
Mais natural impossível. Gosto do instrumental e da canção, assim como
gosto do doce e do salgado. Às vezes o doce antes, às vezes misturado... Assim
como gosto da pintura e do cinema. Enfim, gosto da mistura (em doses
diferentes), das características em separado, do clássico, do contemporâneo.
Tudo inspira. Não tenho as características de um especialista. Sou menos
focado. Disperso e feliz por isso.
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Entrevista realizada simultaneamente para o blog M
úsica Contemporânea e para a 2. Edição da Revista Tavola Magazine–
Para acompanhar a música “Luz da Terra” do
disco “Só”, acesse: