Há músicos extraordinários que sempre irão soar contemporâneos aos nossos ouvidos. Um desses grandes nomes está aqui nesta entrevista especial. Heraldo do Monte. Clássico da música brasileira, guitarrista, compositor, arranjador, e que também toca cavaquinho, viola e contrabaixo, e além de tudo nos presenteia com sua voz que fala aqui um pouco sobre sua história. História permeada pela aventura musical com seus companheiros Hermeto, Airto Moreira e Théo de Barros, o Quarteto Novo.
-- Heraldo, como funciona para você a pesquisa da guitarra brasileira abrangendo os ritmos? Quais foram suas principais fontes musicais? Alguma que fora reciclada, sucateada, ou eliminada, com o passar do tempo? (risos...)
Eu não precisei pesquisar, pois cresci rodeado de repentistas de viola, banda de pífanos e de frevo, além das melodias do Luiz Gonzaga. Quando nós (Hermeto, Theo e Airto) nos juntamos para mudar o jeito de improvisar, foi só lembrar dos sons desse pessoal. Mas como a gente tem educação musical mais sofisticada do que eles, tivemos o cuidado de pegar a essência, sem imitá-los. Seria falso. Ah, o nome dessa turminha é Quarteto Novo.
-- O que você pensa a respeito do fraseado do jazz em cima de um samba, baião? Na hora de improvisar, é importante sempre respeitar a linguagem de determinado estilo, ou é possível utilizar-se de “ferramentas” como a linguagem do bebop para solar num samba, por exemplo?
Pode-se usar Bebop em Samba, assim: Um bom improvisador não fica alheio ao que está acontecendo com os outros músicos no palco, mas escuta cada intenção sonora deles. Sendo assim, vai responder às acentuações do samba, o que vai "forçar" uma linguagem brasileira. Se ele for surdo ao que está acontecendo, fica horrível, em qualquer gênero de música. Eu mesmo, uso (em samba) elementos de Bebop, com mistura de choro e outras coisas brazoocas. Dá para se perceber no Giant Steps (que você pode ouvir no www.myspace.com/heraldodomonte). Falando em Giant Steps, já notou como se grava tanto essa música ou só com bateria, ou só com contrabaixo? Será porque assim o solista pode mentir numa boa? Ou faz um arranjo que faz com que ele "fuja" dos primeiros compassos? Eu tive a coragem de colocar uma guitarra fazendo os acordes no fundo, dá para perceber que está tudo certinho. Quando a música tem um acorde só, depois de algum tempo fica monótono. Aí eu uso o recurso serial. Doze sons da cromática, em qualquer ordem, de preferência não repetindo nota, pelo menos no mesmo compasso. É difícil não repetir, mas eu tento...
-- Muitas pessoas apontam você como criador de uma “Escola” de guitarra brasileira. O que você acha disso?
Não é por genialidade minha, ou coisa parecida. Apenas tive a sorte de viver numa época e participar de um grupo de músicos que tinha uma espécie de missão auto-imposta. Como resultado: Você pode fazer uma grande pesquisa acerca de gravações de improvisos de músicos (qualquer instrumento) de antes de 1967 e depois de 1967. Não arranjos ou composições, só improvisos. Principalmente músicos urbanos usando climas nordestinos. A gente abriu uma porta que estava na cara, mas ninguém "se tocou". Sorte, né?
-- No “choro”, já existia algum sinais de improvisação há muito tempo atrás, e hoje, algumas escolas de choro não dão muita importância à improvisação. Qual sua opinião sobre o assunto?
O "chorão" tem duas opções: Ou ele improvisa bem, ou passa a falar mal de quem improvisa. Simples... Hamilton de Holanda prefere improvisar. Quem vos fala, também.
-- Vendo você tocar guitarra, percebe-se algumas inflexões parecidas com o modo de solar de um cavaquinho, um bandolim... Estou certo disso?
No meu bairro (Mustardinha, Recife), ainda moleque (já tinha juntado os instrumentos de cordas ao clarinete), eu costumava participar de rodas de choro, tocando cavaco e bandolim. Quando ia dormir, chegava em casa, e os sons das gafieiras, com Jacob e Waldir, iam me fazendo sonhar. Quando improviso, deixo tudo correr solto, e não vou censurar uma coisa tão boa, certo?
-- Como foi tocar e conviver com Hermeto Pascoal?
-- Como foi tocar e conviver com Hermeto Pascoal?
Conheci Hermeto tocando sanfona no regional da Rádio Jornal do Commercio do Recife (Commercio com dois m, mesmo!). Sempre criativo e derrubando as barreiras do estilo. Convidei-o para tocar piano no grupo de uma casa noturna, o Delfim Verde, na Praia da Boa Viagem. Nasceu uma admiração mútua e uma afinidade muito grande, musical e pessoal. Depois nos encontramos em Sampa e continuamos a trabalhar juntos na noite. Nós não tínhamos ainda feito nada de importante na música... O Hermeto ainda não era famoso e isso fez com que a gente vivesse uma fase muito divertida; O Hermeto sempre tocou muito bem, até aí nada de mais. Mas o bom mesmo era quando ele começava (toda noite tinha esses momentos) a imitar um músico muito, muito ruim. Harmonias horríveis, acentuação ridícula, tudo junto. A gente ria de chorar (ou chorava de rir...rs) e os frequentadores não percebiam por quê! Depois, veio o Quarteto Novo e acabou a graça... o resto é conhecido.
Entrevista realizada por Caio Garrido com grande colaboração do guitarrista Alexandre Peres.
Vídeo e site:
http://www.youtube.com/watch?v=9l37msc-4No
3 comentários:
Caio,
Maravilha de entrevista e de entrevistado!
O Heraldo é fenomenal, um dos nossos maiores instrumentistas. O álbum ConSertão, gravado com ninguém menos que Arthur Moreira Lima, Paulo Moura e Elomar, é um dos momentos mais sublimes da música brasileira!!!!!
Por favor, se não for incômodo, informe se ele tem algum(ns) disco(s) gravado(s) recentemente e como fazer para adquiri-lo(s)!
E já que você abordou o Heraldo, sugiro outro monstro, da mesma geração e tão apaixonado por jazz quanto: o genial Hélio Delmiro!
Abração!
Cara, que bom q gostou....
vou tentar verificar com ele quais foram os ultimos discos gravados sim....
Abraçao meu véio!
Olá Caio, excelente blog o seu, gostei do estilo de entrevistas, já está listado no meu blog: www.etcjazz.blogspot.com. Abraço.
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