quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Rodrigo Digão Braz – Improvisando na vida e na música




Entrevistei Digão pela primeira vez em 2009 para o blog Música Contemporânea. Agora, recentemente, tive a feliz oportunidade de continuidade do papo abrangendo ainda mais a questão da improvisação. Fato que me deixou extremamente contente, pois sem dúvida foi uma das entrevistas mais satisfatórias e emocionantes que já realizei com alguém, pela generosidade, disponibilidade e transparência que o Digão proporcionou ao abrir os calabouços de seus pensamentos de vida e música. Um presente;



Para quem não viu a primeira entrevista ou o que seria a primeira parte de um todo, vai aqui o link:







Vamos à matéria completa desta “segunda” parte:



Improvisar é algo que não se aprende na escola. Na música, essa lei é ainda mais presente. Rodrigo Digão Braz leva ao pé da letra esse aprendizado (ou não-aprendizado). Baterista e percussionista, tem como projeto principal o grupo "Mente Clara", que traz como base a estética da "Música Universal" de Hermeto Pascoal. É também professor do Conservatório de Tatuí, e já tocou com nomes como Renato Consorte, Ai Yazaki (pianista Japonesa), Michel Leme, Thiago Righi e Fernando Corrêa.



Vamos à entrevista:


-- Música improvisada, para ser notada em toda sua intensidade, tem a singularidade de "dever" ser vista e ouvida ao vivo?

Caro Caio, primeiro quero agradecer mais uma vez pelo convite para essa entrevista e dizer que sua coluna (blog) é de muita valia para o desenvolvimento da música brasileira no Brasil (por incrível que pareça, precisamos desbravar a nossa música em nosso país) e desta para o mundo. Quanto à pergunta, não necessariamente. Mas é claro que sua particularidade vivenciada na hora da criação é uma coisa mágica, trazendo sensações tão peculiares aos ouvintes que talvez em um novo momento não se manifeste. Entretanto, nós músicos – ou meros ouvintes (muitas vezes os melhores ouvintes, pois estes vão para ouvir a música sem nenhum rótulo ou pré conceito) – também somos pesquisadores, e sua análise posterior (no caso, de uma gravação) é muito válida para entendermos os caminhos que grandes compositores e improvisadores estão "trilhando" dentro da música apresentada.

-- Como foi a trajetória musical em sua vida?

Eu comecei tocando piano (fui obrigado, felizmente, pela minha mãe, Dona Lourdes ou Lurdinha). Também fiz aulas de violão, mas os estudos de música começaram a ficar sérios aos 15 anos, quando ingressei no curso de Música da Fundação das Artes de São Caetano do Sul, agora tocando bateria. O fato engraçado é que mesmo na Fundação, eu ainda estava sendo obrigado a estudar música, pois nesse período eu tinha como meta na minha formação profissional a engenharia – nesta fase, eu estudava Mecatrônica em um colégio técnico. Com 17 anos eu tive a minha decisão, optando por essa arte que faz de mim uma pessoa mais feliz e ao mesmo tempo me demonstra sabedoria para o meu autoconhecimento. Desde então, meus projetos musicais foram voltados para o desenvolvimento da criação (música própria), e tudo isso conciliado com trabalhos com cantores e artistas em geral. Aos 20 anos, cursando meu último ano de Fundação, fui para o Conservatório Dramático Carlos de Campos Tatuí, onde estudei por um ano e meio, e desde 2001 leciono no curso de Bateria e Percussão Complementar.

-- Quais são seus projetos atuais?


Meus projetos atuais: Tenho um grupo, que já tem 11 anos, chamado Mente Clara, com dois discos gravados, o homônimo Mente Clara e São Benedito; O Trio Paulista. Este foi devido a uma necessidade de espaço, já que é base do grupo Mente Clara, com Franco Lorenzon e Fábio Leal. Inclusive estamos com um projeto chamado ‘Trio Paulista Convida’, uma vez por mês na casa Jazz nos Fundos, em São Paulo, onde tivemos na primeira noite o conceituado Fernando Corrêa (Guitarra) e ainda teremos André Marques (Piano) em outubro de 2011 e Fábio Torres (piano) em novembro de 2011; Outro trabalho interessante é um trio que tenho com Hercules Gomes (Piano) e Rafael Abdalla (Baixo acústico) com composições de todos os integrantes. Nesse repertório, apresento composições minhas, inéditas, e alguns arranjos de Standards de jazz. Dentro disso, também tenho feito trabalhos bem interessantes como instrumentista, a exemplo da cantora Nanny Soul, com arranjos e direção musical de um grande amigo e ótimo músico Paulio Celé, uma cantora americana chamada Alissa Sanders cantando Standards de jazz, a cantora nacional Patrícia Marx, um cantor que gosto muito da nova geração de compositores paulistas, Fábio Cadore, e uma grande craviolista, dona de uma das vozes mais belas e afinadas que já trabalhei. Ainda continuo com um trabalho maravilhoso (exaltando a natureza), com Tetê Espíndola.




-- Notei em seus solos, uma intensa atenção voltada para os timbres e principalmente para o timbre da caixa, que na maioria dos momentos fica sem o som da esteira, potencializando uma identidade e originalidades suas. Como é isso para você?


Realmente, uma das coisas que desenvolvi foi a minha identificação com timbres e melodias geradas a partir das afinações que os tambores estão nos oferecendo. Isso é tão forte no meu trabalho que é o mote das minhas aulas. Tem um caso interessante e ao mesmo tempo animador quando em uma das aulas eu chego para um grande amigo, músico e baterista Paulo Almeida, e digo: “Toque o parabéns pra você na bateria! Vamos, toque!!” Ele me disse que ficou em choque, pois o que eu queria dizer com isso: “toque o parabéns...”? Foi quando despertou para ele uma nova visão em cima desse instrumento que acompanha, mas ao mesmo tempo serve como intenção melódica, ou porque não harmônica dentro da música. Nos solos ou mesmo no acompanhamento, as intenções de novas possibilidades de timbres (ex, a caixa desligada, sem a esteira) vão surgindo conforme a "cor" que o som vem provocando naquele momento, e o baterista que cria a atenção para esses detalhes pode ter um certo destaque, deixando assim de assumir o papel primo de só conduzir o grupo.

-- Alguma vez você já sentiu que influenciou algum outro artista, que não músico?


Teve uma ocasião no Festival Painel Instrumental/Festival Paralelo, que uma amiga do teatro Larissa Bassoi me emocionou muito ao ver um show do Mente Clara. Ela chegou soluçando de tanto chorar e me dizendo: "Que coisa linda, eu consegui me reportar a lugares vividos os visualizar lugares inéditos... Foi tão bonita essa viagem, e isso me fez pensar em mil coisas que podem ser diferentes no cotidiano, situações e sensações novas, e outras resgatadas da minha infância... Enfim, adorei!"


Nesse dia, eu tive mais uma confirmação, de que a música tem um simbolismo muito forte, e quando entendida pode te levar a momentos quase eternos. Muito obrigado Larissa, pode ter certeza que você também me influenciou muito. Beijo grande pra Ti.

-- O que você acha dos músicos/bateristas "atletas" ou os acrobáticos? Qual a importância da "independência" para você?



Dou valor a qualquer manifestação de esforço no sentido da manutenção e obtenção de resultados para a melhoria de sua conduta pessoal, profissional, etc. Isso não foge à regra no caso de bateristas que pensam mais "tecnicamente" o seu instrumento. Mas como havia comentado antes, minha pré-disposição para entendimento desse conglomerado percussivo é melódica, portanto uso também dos artifícios técnicos como necessidade de minha resultante interpretativa e não como ponto de partida. Admiro bateristas como Mike Portnoy, Neil Peart, um brasileiro que gosto muito, Ricardo Confessori... E veja, são todos músicos que obtiveram seus resultados e mesmo assim não deixaram a música de lado. O que teve de diferente foi o ponto de partida.


-- Que elementos, ritmos, ou estilos musicais você tem vontade de incorporar pessoalmente em sua bateria, e também no "Mente Clara"?



Hoje me sinto feliz, mas não realizado, e sim muito feliz pelo o que tenho desenvolvido rítmico/melodicamente no meu instrumento. No terceiro disco do Mente Clara, iremos apresentar uma chacarera (ritmo argentino) que tem um dos seus mais expressivos representantes, internacionalmente falando, a saudosa cantora Mercedes Sosa (1935- 2009). Ultimamente, estou pesquisando um ritmo chamado Shaabi da região de Magreb, mais específico do Marrocos. Esses dois ritmos têm uma subdivisão ternária, diferentemente da maioria dos ritmos brasileiros que tem uma subdivisão binária. Ritmos como o Boi, Cururu, Fandango, Catira, são ritmos que tenho como meta a estilização, e assim usá-los com mais frequência na vertente instrumental.

-- Diga o que quiser sobre a música em notas musicais...

Outro dia postei uma música minha que saiu no primeiro disco do Mente Clara – Eli Ferreira dos Santos – e acredito que nesse som consigo falar algumas coisas de que sinto, neste caso, saudades, pois meu pai, que é falecido, e outras mais mostrando que a vida é bela e que podemos e somos felizes. Deixo aqui minha postagem pra quem quiser ouvir:




Um forte abraço e desejando tudo de bom para todos, tendo a certeza de que a arte nos molda para uma melhor convivência entre os seres (estou escrevendo isso com lágrimas nos olhos, pois a música me traz essa emoção toda vez que reflito sobre a mesma). Ow Glória!!







Link Eli Ferreira dos Santos - Rodrigo Digão Braz - Música gravada no primeiro disco do Grupo Mente Clara. Mente Clara é: Fábio Leal (Guitarra), Franco Lorenzon (Baixo), César Roversi (Saxofones), Beto Corrêa (Piano e Sanfona).
http://soundcloud.com/search?q%5Bfulltext%5D=eli+ferreira+dos+santos






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